Eu comecei a treinar em janeiro de 1998. Havia passado a o outono anterior preso em 5.11(sétimo grau brasileiro, aproximadamente), apesar de escalar a vários anos e senti que precisava de um impulso. Li então o seminal “Performance Rock Climbing” de Dale Goddard e Udo Neumann (PRC), e me convenci de que o treinamento focado em objetivos (targeted training) defendido por eles poderia me ajudar a conseguir meu objetivo de escalar 5.12 (oitavo grau brasileiro). Hoje em dia, para a maioria de escaladores, eu diria que 5.12 é perfeitamente atingível sem treinamento. Entretanto, isto requer que o escalador escale regularmente, de preferência entre quatro a cinco vezes por semana. Naquela época, eu era um cadete na academia da U.S.A.F. em Colorado Springs. Ainda que eu tivesse tempo disponível, não podia deixar a base, exceto nos fins de semana, de forma que escalar em rocha ou em uma boa academia de escalada estava fora de questão. Desta forma somente o treinamento por objetivos poderia me trazer os mesmos benefícios do que escalar várias vezes por semana, com menos tempo.
Na primeira temporada de treinamento, detonei! Até a temporada anterior, minhas melhores cadenas eram 5.11b. Após meu primeiro ciclo de três meses, eu fiz meu primeiro 5.12a, seguido logo por meu primeiro 5.12b, a seguir meus primeiros 5.12a a vista! Tudo isto com somente três meses de trabalho duro! Me dei conta de que tinha aberto a caixa de Pandora e que uma vez experimentado o poder do treinamento eu não mais iria me contentar em ficar na mediocridade... Sabia que continuaria a treinar para sempre, e continuando a melhorar. Desde então, eu tive altos e baixos, mas eu obtive melhoria em longo prazo. Entrei na casa dos 5.13 médios nos últimos anos, com muitos 5.12 duros à vista. Isto pode parecer pouca coisa para a molecada que manda V8 de boulder após seis meses, mas não sou um desses caras. Eu não tenho nenhum talento nato como escalador, além de determinação para treinar duro. Eu tive que me esforçar para escalar meu primeiro V2, assim que progredir desta forma, pra mim é muita coisa.
Bem, então afinal, o que é treinamento? Para mim não interessa o que diz o dicionário, a minha definição de treinamento de escalada é “uma abordagem sistemática e disciplinada para melhorar o desempenho escalando”. Eu ouço muitos escaladores dizerem que estão treinando, mas se insisto perguntando sobre detalhes do tal treinamento, não existe detalhe nenhum. Eles apenas “escalam” ou fazem boulder dia sim dia não, ou quando tem tempo. Isso não é treinamento. O treinamento é uma rotina pré-concebida que seja planejada de forma inteligente com o propósito de alcançar algum objetivo tangível. Deve ter o propósito deliberado de transformar seu corpo para o fim que você tiver em mente, devendo ser baseado em todo o conhecimento científico disponível usando exercícios específicos para atingir os fins desejados.
No presente, a atividade da escalada como esporte está ainda em sua infância. Há um corpo limitado de conhecimento científico disponível aos escaladores, e a maioria do que está disponível foi meramente adaptado de esportes similares. Infelizmente, não há outro esporte bem estudado que seja similar à escalada. Muitas teorias são trazidas do levantamento de peso e outras de corridas de meio fundo. Não que estes esportes sejam os mais próximos no que se refere às demandas físicas no corpo, mas, dentre os esportes profundamente pesquisados são os mais similares à escalada. Somente agora alguns pesquisadores estão começando a dirigir mais esforços em estudos específicos sobre a atividade da escalada, de forma que no futuro deveremos saber muito mais sobre como treinar para escalar.
Para nós escaladores isto significa que o regime de treinamento está sempre mudando. Eu comecei adotando as teorias dos pioneiros como Goddard, Neumann, e Yaniro, mas a partir daí tenho alterado constantemente meu programa, usando a mim mesmo como cobaia para testar novas idéias e refiná-lo. Sendo somente uma pessoa, gasto muito tempo para testar idéias diferentes, mas há esperança de que, quando mais e mais escaladores se tornarem interessados em treinamento, todos podermos nos beneficiar dos resultados uns dos outros. Além disso, o corpo humano é uma máquina misteriosa. Cada um é diferente, e todos respondem de forma diferente a uma rotina específica. Conseqüentemente, você deve ser flexível em seu programa. Comece com a rotina básica, mas esteja disposto a experimentar com ela. Tente períodos de descanso diferentes, ou números diferentes de repetições, de séries, etc. Esta é a forma de obter conhecimento.
Para quê treinar?
Parece que todas às
vezes em algum fórum da internet ou em algum grupo que alguém
faz uma pergunta sobre o treinamento, ou tenta ter uma discussão
significativa, não demora muito até que algum babaca
apareça dizendo que só pratica halterocopismo...
Escaladores fracos e inseguros gostam de menosprezar aqueles entre
nós que possuem auto estima suficiente para buscar uma
melhora. Alguém disse uma vez: “Qualquer coisa que vale
a pena fazer vale a pena fazer bem feita”.Eu acredito que isso
se aplica a escalar assim como a qualquer outra coisa na vida. Eu não
consigo entender como é que alguém que gasta todo fim
de semana na pedra não está minimamente interessado em
melhorar.
O habitat de um gênio da escalada

Melhorar é a
razão óbvia para treinar, e todo escalador que
encontrei quis sempre melhorar. Certo, alguns querem mais que os
outros e estão dispostos a fazer sacrifícios pra chegar
lá, mas pelo menos na conversa, a maioria dos escaladores quer
melhorar. Muitos escaladores preguiçosos usarão o
argumento de que podem evoluir simplesmente escalando tanto quanto
possível. Isso até é verdade. Uma determinada
quantidade de melhoria pode ser obtida apenas escalando de forma
aleatória. Fisiologicamente, haverá evolução
conquanto sejam incrementados a intensidade e o volume do trabalho
executado (algo que será difícil de precisar), e é
provável que a técnica e outros fatores menos tangíveis
melhorarão também. Assim porque não “só
escalar?”· Para mim a resposta tem duas partes. A
primeira eu recém dei a dica: a única maneira de se
obter de forma consistente uma melhoria continuada é com
treinamento. Todo o atleta que pratica um esporte há algum
tempo já conhece a idéia do “platô”.
É aquele ponto onde cessam os ganhos de performance, mesmo que
você continue “treinando”. Com um treino do tipo
“só escalar” não há nenhuma maneira
forçar a melhoria porque não há registro do tipo
de esforço que foi necessário para chegar ao ponto
atual e, conseqüentemente não há nenhuma maneira
de aumentar incrementalmente a carga no corpo, papa forçar a
adaptação. Tão monótono e comum como
possa ser o treinamento, pelo menos sei que os resultados não
serão monótonos. Eu sei que eu melhorarei, e meu
registro do treinamento refletirá essa melhoria, ainda que o
clima lá fora não me permita encadenar nada.
O reconhecimento que
você está evoluindo pode ser muito motivador, e pode
ajudá-lo a atravessar temporadas que poderiam de outra forma
ser muito decepcionantes. Com a técnica de “só
escalar”, a única evidência da melhoria é
se você encadenar. Nós todos sabemos que às
vezes, as circunstâncias da vida, sejam elas trabalho,
educação, namorada(o) nova, filho novo ou simplesmente
um clima terrível na estação em que você
estaria livre para escalar podem impedi-lo de encadenar muita coisa.
Com um log de treinamento, a simples noção da evolução
pode mantê-lo completamente motivado até a estação
seguinte, onde você pode ter a oportunidade pra escalar de
novo.
A segunda parte da
resposta, e para mim a mais importante é a prevenção
de lesões. Pare, respire normalmente: sim, treinar evita
lesões. Eis como: Imagine que algum “cara A” vai
pra academia puxar ferro (sem nenhuma programação
específica, quando tem tempo) chega lá e faz um
agachamento com um peso aleatório, depois algumas repetições
para bíceps variando peso (outra vez com peso aleatório),
a seguir paga uma barra seguida por duas séries de agachamento
e depois faz um uma série com peso máximo de extensão
de tríceps, seguida de flexão do bíceps,
extensão de perna, um supino com peso máximo, etc...
Imagine agora o “cara
B”. E ele chega na academia com um programa pré-traçado
que contém dias fáceis, médios e duros, além
de períodos programados de descanso. Quando está na
academia, o cara aquece cada grupo muscular antes de o trabalhar, e
aí levanta um peso determinado, baseado em sua progressão
anterior (vamos dizer incrementos de 5%). Qual dos dois caras você
acha que deverá se lesionar?
A maioria dos
escaladores são o “cara A”. Sua idéia de
preparo físico é “fazer boulder”, que
consta essencialmente de exercícios feitos ao azar e que força
aleatoriamente vários grupos musculares. Não há
nenhuma maneira de especificar grupos musculares (e estrutura de
suporte) a serem trabalhados a uma determinada intensidade nem
tampouco medir qual a o esforço a que eles foram submetidos.
Não há nenhuma maneira saber se você está
aumentando a intensidade ou a qual taxa de incremento. Estas sessões
de “treinamento” terminam freqüentemente em um
dinâmico animal em direção a um bidedo raso que o
sujeito não tem a mínima idéia se vai ou não
travar seguido de um estalo...
O problema com este
“método” (ou falta disso) é que é
sabido que a única maneira de aumentar o tecido muscular é
forçá-lo até próximo ao esgotamento.
Fazendo boulder de forma aleatória, não há
nenhuma maneira saber quando se está chegando próximo
ao esgotamento, mas você sabe com certeza quando ultrapassa
este ponto (aquele estalo...) Além disso, a estrutura de
suporte dos dedos (os tendões e os ligamentos) necessitam de
até seis anos (não um é erro tipográfico)
para responder ao stress adicional. Isso significa, que se você
estiver escalando por seis anos, seus ligamentos podem agora estar
ficando mais fortes, enquanto que seus músculos do antebraço
respondem em aproximadamente duas semanas. Conseqüentemente, seu
treinamento descuidado pode estar preparando seus músculos
para agredirem tendões e ligamentos, sem qualquer tipo de
monitoramento. Um regime de treinamento estruturado permite o
escalador a forçar seu corpo cuidadosa e conscientemente para
atingir a evolução necessária sem cruzar a linha
que leva à lesão. Com exceção de trocar a
escalada pelo golfe, treinar é a melhor maneira de evitar
lesões!
Finalmente, uma
terceira razão para treinar é que simplesmente leva
menos tempo. Por causa da natureza sistemática do treinamento,
essa é a maneira a mais eficiente de condicionamento. “Só
escalando” você pode levar várias horas para ficar
totalmente gasto, considerando a natureza aleatória do
exercício. Se você não tem 40 horas por semana
para escalar então treinar é, de longe a melhor forma
de melhorar.
Assim supondo, que você
comprou minha idéia de treinamento, vamos começar
descrevendo como eu o faço. Tenha em mente que esta é
minha rotina. Eu não faço idéia se ela é
a melhor para você… você decide! Estou disposto a
concordar que esta rotina talvez não seja a mais adequada para
a maioria das pessoas e também acredito que muitas autoridades
no assunto podem discordar de mim. Isso é muito bom!
Discordâncias conduzem à discussão e a uma
investigação mais profunda, e talvez isso possa acabar
nos deixando mais fortes!
Antes que eu entre nos
detalhes mais escabrosos, lembre-se de que minha rotina está
projetada especificamente para treinar para o tipo de escalada que
prefiro. Pare e leia novamente essa frase. Aprendi a escalar em Smith
Rock e me mudei depois para Colorado Springs onde eu me liguei nas
áreas de Penitente e Shelf Road. Mais tarde eu mudei-me para
Utah e me aperfeiçoei no quartzito vertical e no granito de
Virgin River Gorge. O que estes lugares todos têm em comum é
o estilo de escalada. Caracterizam-se por ter vias verticais à
levemente negativas com movimentos técnicos e poderosos. Neste
tipo de vias, resistência não é geralmente tão
importante quanto explosão. Eu descobri que nestes lugares se
você puder fazer todos os movimentos, então você
geralmente encadena a via porque sempre encontrará um bom
descanso.
E daí? Compare-o
ao estilo oposto de escalar, às vias muito íngremes,
tipo Rifle, American Fork, e Maple Canyon. Aquelas vias dependem na
maior parte da resistência, e muito pouco da força e da
explosão. Conseqüentemente, faz mais sentido enfatizar o
treinamento da resistência muscular, e aperfeiçoar os
movimentos da escalada, de modo que você escale muito
eficientemente. Por exemplo, uma via 5.13a em Rifle pode não
ter um único movimento mais duro que V3, mas também não
terá um único descanso. Por outro lado, há
5.13a's em Shelf Road que têm crux V7 entremeados com escaladas
5.10. Se você começar a tijolar, ou fizer alguns
movimentos ineficientes, há amplas oportunidades de recuperar,
de forma a encarar os movimentos do crux. Obviamente, você
deverá treinar de forma diferente para estes estilos. A
abordagem que apresento nas seguintes páginas é
desenhada para o estilo de escaladas técnicas, regleteras que
acredito ser mais útil ao escalador médio que não
tem o acesso a uma escola com longos negativos cheio de agarrões
como Rifle. Além disso, se você tiver força para
fazer os movimentos da via, você pode aprender escalar mais
eficientemente, e treinar resistência enquanto trabalha a via.
Tony Yaniro disse uma vez: “If you can’t do the moves,
then there is nothing to endure” (“Se você não
consegue mandar os movimentos não há nada ao que
resistir”).
Algumas de minhas
idéias vão contradizer muitos outros “peritos”.
Pode ser porque os objetivos deles sejam diferentes do que meus, de
forma que é bom que você se certifique quais são
os seus objetivos. Agora, meu objetivo é melhorar minha
habilidade de fazer movimentos duros. Eu acredito que seu ápice
de potência muscular acontece muito tempo antes de seu ápice
de resistência durante a vida, de forma que dá para
treinar resistência quando você for velho! Quando for
mais velho e meus dedos não forem mais tão fortes, vou
me aposentar indo para um pico como Rifle, onde não exista
nenhum movimento duro, cada agarra um tijolo e vou poder treinar
resistência o tempo todo e esculhambar o povinho que tem um
hangboard. Quando esse dia chegar, mudo meu programa...
Periodização
Periodização
é uma técnica sistemática de alterar a ênfase
dos exercícios durante todo um período de treinamento.
A razão é simples, e está ligada á idéia
de “platô”. Quando o tecido do músculo é
exposto a um tipo novo de stress, adapta-se ficando mais forte, porém
há um limite a este crescimento. Se você continuar
indefinidamente o exercício, o corpo já não
responderá. Os atletas tentam então “enganar”
o corpo, mudando os exercícios, e conseqüentemente, o
tipo de stress, com a esperança de continuar a forçar a
adaptação além de o que seria possível
continuando com os mesmos exercícios.
Com a periodização,
o atleta enfatiza algum tipo de treino por uma parte do ciclo, e,
quando o corpo já não está respondendo, muda
para um outro tipo para o período seguinte. Estes períodos
são chamados de “fases”. Quando eu comecei a
treinar, meu ciclo de treinamento de quatro meses era assim:
Fase 1: Restauração
Aeróbica e Capilaridade (RAC) 6 semanas
Fase 2: Hipertrofia
(HIP) 4 semanas
Fase 3: Recrutamento
máximo (R máximo) 3 semanas
Fase 4: Resistência
Muscular /Fase Pico (RM) 2-4 semanas
Fase 5:
Descanso/recuperação 2 semanas
O importante ao
construir uma programação como essa é tirar
proveito das propriedades de cada tipo de trabalho, e há uma
razão para a ordem das fases acima. Por exemplo, o treinamento
RAC é um objetivo de longo prazo. Você não terá
ganhos maciços em seu desempenho RAC em um período de
tempo curto, mas felizmente, também não os perderá
rapidamente. Os ganhos da força feitos na fase de hipertrofia
demoram a chegar, mas seus efeitos perduram por um bom tempo. De
forma diversa, ganhos de resistência muscular ocorrem muito
rapidamente (em questão de dias), mas são perdidos de
forma igualmente rápida. Conseqüentemente, é
importante colocar corretamente cada fase no ciclo. A fase de
resistência muscular é realizada por último
porque pode ser aumentada rapidamente, e não durará
muito por muito tempo. A hipertrofia, que é realizada cedo no
ciclo, vai continuar dando frutos após as 5-6 semanas até
que ocorra a fase pico. Ao agendar cada fase corretamente o escalador
pode otimizar sua performance potencial ao criar um efeito sinérgico
entre os vários aspectos que afetam a performance na escalada.
Nem todos os aspectos estarão no pico ao mesmo tempo, mas
trazê-los todos a um nível alto de uma vez só
acaba criando um ápice global de performance.
Este tipo de
programação pode ser muito útil se você
desejar alcançar seu potencial absoluto, e está
disposto a não escalar forte todo o tempo. O treinamento de
periodização criará um pico de desempenho de
duas a quatro semanas ao final de seu ciclo do treinamento, mas você
deve notar que isto vem com um custo: desempenho reduzido no restante
do ciclo. Este tipo de treinamento é ideal se você
quiser se preparar para uma viagem de escalada, uma competição
ou qualquer outra coisa semelhante. Eu gosto de usá-lo porque
cria “estações” diversas durante todo um
ano, quando posso ter a expectativa de um excelente desempenho. Eu
posso então programar determinados períodos onde eu sei
que devo estar na rocha tanto quanto possível encadenando
vias. Então eu sei também que nos outros períodos
posso fazer outras coisas igualmente divertidas, sem precisar estar
em uma beira de estrada empoeirada qualquer cada minuto do dia, atrás
“daquela” via. Eu posso fazer uma escalada tradicional de
várias enfiadas, ou escalar no gelo ou qualquer outra coisa.
De modo que a
programação original que eu apresentei acima era minha
primeira versão, mas agora eu faço um pouco diferente,
baseado um pouco em minha própria experiência, e também
em discussões com outros escaladores. Isso é o que eu
estou fazendo agora:
Fase 1: Hipertrofia 4-6
semanas
Fase 2: Recrutamento
máximo 2-3 semanas
Fase 3: Resistência
Muscular 2 semanas
Fase 4: Resistência
Muscular/ Fase Pico 4 semanas
Fase 5: Descanso 2
semanas
A mudança a mais
óbvia é que eu eliminei a fase RAC. Eu não
recomendo isso para inciantes. Eu ainda faço treinos RAC, mas
misturados dentro de outras fases (falarei disso mais tarde). Também
faço ainda um ciclo por o ano onde eu começo o treino
com uma longa fase de RAC de quatro semanas, mas nos outros três
ou quatro ciclos do ano, eu salto essa fase. Decidi-me a fazer isso
por uma série razões. Primeiramente, eu acredito que
minha motivação original para incluir a fase do RAC era
principalmente porque uma fase similar é usada pelos
corredores de longa distância. É chamada a fase de
trabalho de base. Percebi que esta fase não era tão
benéfica para a escalada porque ela não depende tanto
dos sistemas aeróbicos como a corrida. A segunda razão
pela qual eliminei a fase RAC foi para reduzir o tempo decorrido
entre as fases de desenvolvimento de força (hipertrofia).
Antes, precisava de três meses para ir do fim de minha fase do
inverno HIP ao começo de minha fase de primavera HIP. Notei
que esta longa pausa fazia com que eu partisse do zero cada vez, ao
invés de evoluir a cada ciclo.
Para iniciantes em
treinamento, eu sugiro a inclusão da fase RAC pelo primeiro
par de anos, pelo menos, dependendo do tipo de escalada que você
gosta de fazer. A fase RAC pode ser muito benéfica aos novatos
porque prepara o tecido conexivo delicado para os rigores das fases
posteriores. Além disso, o RAC lhe dá tempo de focar na
técnica, que pode ser tão importante quanto o
treinamento físico.
Outra mudança
que fiz foi na fase de resistência muscular. Quando comecei a
treinar, achei que malhar a via contava como treinamento de RM, então
qual a razão de ter uma fase separada? Porém tenho
observado que malhar projetos de vias duras raramente resulta em um
treinamento eficaz e completo. Eu dedico agora uma fase a treinos
específicos de RM durante a semana juntamente com trabalhar os
projetos aos fins de semana.
Exercícios
Eu comecei com o tema
da periodização para explicar como ajustei o ciclo
total de treinamento. Agora vamos entrar nos detalhes específicos
do que acontece durante cada fase. Ao final mostrarei exemplos de
como ficará um calendário com um ciclo completo, treino
a treino.
RAC
A finalidade do
treinamento de restauração aeróbico e
capilaridade é melhorar a habilidade dos seus músculos
de manter um esforço sustentado sem ultrapassar o limiar
anaeróbico. Há muitos livros que não plagiarei
que lhe darão uma explanação mais científica,
mas basicamente, o RAC aumentará o nível da escalada
que você pode fazer sem ficar tijolado. Por exemplo, se você
pudesse executar movimento 5.10 por 30 minutos sem tijolar, então
você pode provavelmente escalar a maioria das vias 5.11, as
quais consistem provavelmente na maior parte em 5.10 que se
entremeiam com alguns crux 10+ ou 11 -. Assim se você puder
elevar o limiar anaeróbico, sua habilidade de escalada
melhorará.
Um treino RAC envolve
escaladas de intensidade sustentada, geralmente indoor, imediatamente
abaixo de seu ponto limiar anaeróbico. Eu faço
tipicamente este treino fazendo boulder, sem parada, por 30 minutos.
O truque é moderar a dificuldade dos movimentos de modo que
você fique abaixo de seu limite. Aqui alguns detalhes: se você
começar a ficar com os braços muito bombados os
movimentos são muito difíceis. Se você estiver
escalando sem nenhum inchaço nos antebraços e sem suar,
são fáceis demais. Uma boa sessão RAC deve
fazê-lo respirar pesadamente, ficar ligeiramente bombado (bem
antes do tijolamento) e suar após os primeiros 10 minutos,
mais ou menos. É necessária alguma prática para
acertar o ponto. Um treino típico de RAC seria de duas ou três
sessões de 30 minutos com 10 minutos de descanso entre cada
sessão. Traga seu IPOD!
HIP
Hipertrofia significa
“aumento do músculo”. O objetivo da fase de HIP é
ficar mais forte. Os escaladores defendem várias formas
diferentes para chegar lá. De hangboards a rolos de mão,
a módulos tipo “system” até HIT strips. Meu
preferido é o hangboard. Todas estas técnicas oferecem
um compromisso entre a especificidade da escalada (o quanto os
movimentos são semelhante àqueles que você faz na
pedra) e efetividade no aumento da força. Eu prontamente
admito que o exercício no hangboard não envolve nenhum
tipo de movimento. Mas eles imitam agarras melhor do que qualquer
outra coisa e são desta forma a ferramenta mais efetiva para
aumentar a força de contato: a habilidade de seus antebraços
de se grudar a um reglete. As variações mais elaboradas
(HIT strips e módulos System) tentam adicionar o elemento do
movimento da escalada, mas só conseguem diluir a intensidade
do treino.
A finalidade do
hangboard é treinar seus antebraços, e os
fisiculturistas já sabem há muito tempo que a melhor
maneira de treinar um músculo é isolá-lo. Estas
outras ferramentas fazem exatamente o oposto tentando treinar os
vários grupos musculares envolvidos no movimento da escalada
de uma só vez, tornam virtualmente impossível
assegurar-se de que o músculo seja forçado até a
falha. Eu pessoalmente nunca deixei de mandar uma via porque meus
músculos dorsais não eram suficientemente fortes para
me puxar até o agarrão seguinte. Acho que isso também
nunca aconteceu com você, a menos que você seja um
escalador de gelo de elite. Sempre pensei sempre que a coisa mais
importante a treinar era meus antebraços, de forma que optei
pelo hangboard como primeira opção.
Já que estou no
falando sobre porque eu não gosto de HIT strips e módulos
“System” vou encher o saco um pouco mais. Sou
completamente cético de que os exercícios que são
feitos nestas ferramentas cheguem mesmo a causar hipertrofia. O
número e a duração das repetições,
e a carga posta sobre o músculo parecem mais na linha dos
exercícios de resistência muscular do que hipertrofia. A
única maneira assegurar a hipertrofia é exercitar
rapidamente o músculo até a falha (não por
inchaço como no tijolamento). Como estes dispositivos contêm
geralmente batentes enormes, e é permitido usar seus pés,
a única maneira carregar seus músculos adequadamente
seria usar tanto peso adicional que o treino se tornaria pouco
prático e seguro. Estas ferramentas poderiam ser realmente
úteis para o treinamento de RM, mas recomendo-o deixá-las
fora de seu treinamento de HIP.
Abaixo, eu apresento
dois tipos de treinos de hangboard. Como com todo o treinamento de
intensidade elevada, aqueça-se bem antes de tentar estes
treinos. Eu recomendo começar com uma sessão RAC de
20-30 como aquecimento, a seguir tentar alguns problemas moderados de
boulder, seguidos por umas pegadas fáceis nas posições
que vão ser usadas no hangboard.
Treino Iniciante de Hangboard:
A primeira etapa ao
preparar um treino de hangboard é identificar quais posições
de mão você gosta de trabalhar. Isto depende bastante de
qual hangboard você tem, então é bom começar
adquirindo um hangboard de boa qualidade. Eu uso um Nicros “Nexgen”
(Nicros, se vocês estão lendo isso, estou livre para
patrocínios...), ele é quase perfeito (não há
nenhum hangboard “perfeito”… é mais tipo
uma viagem do que um destino). Para o treino de iniciante, selecione
ente seis e dez posições que você trabalhará,
por exemplo: pegada rasa de reglete com quatro dedos, bidedo profundo
com indicador e médio, mão cheia, bidedo profundo com
anular e mindinho, bidedo raso do indicador e médio, abaulado,
pinça larga, pinça estreita. Em meu hangboard, eu não
gostei das opções para pinça, de forma que
aparafusei algumas agarras na placa onde está fixado meu
hangboard.
O treino iniciante
consta essencialmente dessas seis a dez séries, sendo cada
série uma de suas posições escolhidas. Assim se
você escolher oito posições, você está
indo fazer oito séries. Cada uma delas consiste em cinco
travadas. Cada travada deve ter a duração de 10
segundos usando uma posição, sem fazer barra ou
qualquer outra frescura, só tentar ficar pendurado... Isso já
deve ser suficientemente difícil. Se você tiver oito
posições, você fará oito séries,
sendo cada série composta de cinco travadas de dez segundos.
Tão importante quanto a duração de cada travada
é a duração do descanso. Descanse 5 segundos
entre cada vez que ficar suspenso e descanse 2 minutos entre cada
série. A medição do tempo é crucial. Eu
tenho um cronômetro que fica preso bem na minha frente, de
forma a cronometrar precisamente cada componente do exercício,
e conseqüentemente, os treinos duram exatamente o mesmo tempo,
todas às vezes.
O segredo de um treino
de hangboard executado de forma correta é descobrir quanto
peso adicionar (ou subtrair) para cada posição. Manter
um bom registro é crucial. A primeira vez que você
tentar esses exercícios será necessário um monte
de experimentações, e você pode gastar uma sessão
inteira de treino ou até mais tentando identificar exatamente
qual o peso a se usar para cada posição. Idealmente,
você deverá mal ter força para poder terminar a
última série de cada posição. Registre
quanto peso você usou para cada série e como você
se sentiu no exercício de forma que, da próxima vez que
você fizer um treino, terá uma boa idéia de
quanto o peso deverá variar. Lembre-se, somente aumentando o
peso cada semana, pode você esperar forçar seus músculos
para ficarem mais fortes. Veja o log de treino de Hangboard que uso
para ter um exemplo deste material.
Registro de treino com hangboard - Iniciante

Veja, no parágrafo
precedente sugeri que às vezes você pôde querer
subtrair o peso. Francamente, se você puder se pendurar em uma
determinada posição com 30 kilos pendurados de sua
cadeirinha, são grandes as chances de que você não
precise melhorar muito essa pegada... Você melhora ao trabalhar
em seus pontos fracos, de forma que é melhor escolher posições
em que você não consegue travar e então encontrar
formas de reduzir o peso do corpo. Você pode encontrar
sugestões de usar fitas elásticas ou colocar seus pés
em uma cadeira para retirar o peso. Estas idéias são
melhores do que nada, pouco mais. Lembre-se de minha definição
de treinamento? Deve ser sistemático. Remover o peso com seus
pés em uma cadeira não é. Um dos benefícios
principais do hangboard é que você pode precisamente
exercitar seus dedos, de forma que você deve ser preciso no
modo com que retira o peso deles. Eu uso um sistema de roldanas que
conectam minha cadeirinha com pesos pendentes, de forma que possa
precisamente remover 12kg se for preciso. Fitas elásticas
funcionam como molas, dependendo do quanto estão esticadas,
sendo fácil “roubar” pendendo mais para baixo, de
forma que o elástico puxe mais peso. Veja na foto meu matador
sistema de roldanas
Uso do Hangboard com o peso adicionado:
Uso do Hangboard com o peso removido:
Treino avançado de Hangboard:
Se você estiver
treinando há algum tempo e acha que seu corpo pode suportar o
castigo, o treino a seguir, com um volume mais elevado pode ser
melhor. Escolha seis posições de pegada e faça
três séries com cada pegada. A primeira série
terá 7 travadas de 7 segundos, com 3 segundos de descanso. A
segunda série é de 6 travadas de 7 segundos com um
descanso de 3 segundos. A terceira série é de 5
travadas também de 7 segundos com um descanso também de
3 segundos. Descanso de dois minutos entre cada série dentro
da posição de mão e três minutos de
descanso entre cada posição.
Entre cada série
dentro da mesma posição o peso vai aumentando. Por
exemplo, em minha pegada de reglete, eu faço 7 x 7 segundos
com as 10kg adicionadas, e descanso dois minutos. Faço então
6 x 7 segundos com 15kg, mais dois minutos de descanso e depois 5 x 7
segundos com 20kg. Descanso então três minutos e inicio
a pegada seguinte. Este é um treino muito mais longo do que o
iniciante porque você estará fazendo 18 séries,
se você tiver seis posições contra 6 a 10 séries
no treino de iniciante.
Quando você
começar a malhar no hangboard, notará que as condições
ambientais são críticas. Você está
tentando trabalhar seus músculos até a falha, de forma
que não quer que a aderência da pele seja um fator.
Assim quanto mais frio melhor. No verão, levanto-me duas horas
mais cedo e faço-me meu treino antes de ir trabalhar, quando a
temperatura é mais baixa… e esse é apenas um de
muitos sacrifícios que você terá que fazer. Se
você tiver ar condicionado em sua casa, pode tentar montar seu
hangboard próximo (é bem menor que uma parede de
escalada...). Da mesma forma, nem pense na idéia de usar um
hangboard público em um ginásio de escalada. Estas
coisas geralmente são totalmente lustradas e/ou melecadas por
todo mundo, desde o escalador “trad” com sapatilha de
cano alto e daisy chain pendurada na cadeirinha até o careca
estilo militar que tenta pagar um monte de barras pra arrebentar no
fim do treino. Se você estiver de bem com a gerência,
você pode montar seu hangboard em algum lugar onde os outros
clientes não possam ter acesso. Em um mundo perfeito, você
moraria de vizinho com a academia de escalada e teria uma chave, de
forma a poder se aquecer lá às seis da manhã no
verão, ou alternativamente construir uma parede em casa, de
forma a aquecer antes e desaquecer ao final do treino. Se estas
opções não são possíveis para
você, é perfeitamente possível fazer seu treino
de hangboard no quarto, sendo apenas mais difícil e chato
fazer o aquecimento.
R Máximo
O objetivo do
treinamento de recrutamento máximo é aumentar a
porcentagem de fibras musculares que estão contribuindo
realmente durante um determinado exercício. Acredite ou não,
você tem fibras em seus músculos que ficam ali, paradas,
sem fazer nada quando você tenta se travar naquela agarrinha
minúscula! O legal é que nós podemos ficar mais
fortes sem ganhar massa muscular indesejada, simplesmente botando
essas fibras vagabundas para trabalhar. A maneira de fazê-lo é
exigir que seus músculos produzem o máximo de potência.
Potência é um conceito freqüentemente mal
compreendido, mas em termos científicos, é força
dividida por tempo. Isso significa que quanto maior a força
que for aplicada por um curto período de tempo, mais potência
foi gerada. Em termos de escalada, isso é freqüentemente
associado com movimentos dinâmicos, razão pela qual a
ferramenta favorita para este tipo de treinamento é o campus
board, ou campus.
Os termos “campus
board” e “campus” originam-se da Alemanha, onde a
primeira destas placas foi construída em um ginásio do
campus da universidade. Os escaladores usam a palavra “campus”
para descrever qualquer movimento feito com seus pés fora da
parede, que, a menos que você seja Sylvester Stalone, envolve
geralmente algum movimento dinâmico. Por causa desta natureza
dinâmica, o escalador possui pouco tempo para pegar a próxima
agarra e deve produzir uma força grande em um período
curto de tempo… potência!
O treino de campus é
a parte mais divertida de meu regime de treinos. Esse é o
lugar onde não dá pra segurar e tu tens que ir a cem
por cento. Primeiramente, devemos encontrar uma placa de campus de
boa qualidade… há a possibilidade de que sua academia
de escalada tenha uma, mas se você quiser construí-la,
visite a página da Metolius na internet para um bom beta. Eu
também gosto das ripas Metolius. Se você se transformar
um connoisseur verdadeiro de campus, você entrará logo
no time da Metolius. Seria bom que sua placa de campus tivesse uma
seleção pelo menos de três espaçamentos
diferentes de ripas. A placa deve ter séries de ripas com
espaçamento idêntico até o fim, senão quem
a construiu não sabe de nada. Visitei academias em todos os
Estados Unidos e infelizmente são poucas as que possuem placas
de campus adequadas, nem se fala das realmente boas..., Mesmo as
academias que alegam “um instrutor pessoal com alto
conhecimento na equipe de funcionários” são mal
equipadas neste quesito. De fato, semana passada ao visitar a família
de minha esposa descobri outra academia lamentavelmente mal equipada,
nada menos que a famosa Boulder Rock Club. Seu “campus”
era tão ruim que quase arranquei fora uma ripa inteira. Se
acontecer com você, recomendo trocar de academia. Mude-se se
necessário.
A placa mais animal que você já viu!

Como sempre, só
inicie o treinamento após estar totalmente aquecido. Começo
sempre fazendo escadas, que é simplesmente ir para cima,
degrau por degrau, pegando em cada degrau até o alto, se
soltando no final. Se isto for muito difícil para você,
então você não está pronto para o campus.
Pague mais barras e trabalhe hipertrofia no hangboard até que
você possa fazer escadas. Uma vez que completamente aquecido,
eu faço entre seis e dez séries, com cada série
sendo uma ida acima ou abaixo da placa. Entre as séries, você
deve descansar o suficiente até que não haja nenhuma
sensação de cansaço da série precedente.
Eu chego a descansar até dez minutos entre séries! É
bom trazer uma revista de escalada para continuar e, se você
está na academia pode dar seg pra um parceiro, mas não
escale! Você pode somente treinar potência com músculos
descansados, de forma que quando sentir que está perdendo a
habilidade de saltar a partir de cada ripa, você deve terminar
o treino. A partir deste ponto, você não estará
realizando qualquer coisa significativa, e ainda estará
arriscando uma lesão. Para mim, isto acontece geralmente em
torno da 8ª ou 9ª série.
Há todos os
tipos de coisas divertidas que podem ser feitas em uma placa de
campus… procure na internet e encontrará todo o tipo de
material. Para novatos, eu recomendo ir somente no sentido de baixo
para cima, no mínimo alguns ANOS. Faça escadas indo a
maior distância possível com cada movimento. Você
pode também fazer os duplos dinâmicos, onde você
move ambas as mãos simultaneamente (uma bela maneira de
impressionar a gatinha que está fazendo boulder ali do lado...
grite antes pra ter certeza de que ela está olhando...). Como
sempre, registre suas séries de modo a saber de onde partir no
treino seguinte. Ver meu registro do Campus para um exemplo.
Log de registro do “campus board”
Para escaladores
avançados, você pode tentar treinamento reativo. O
treinamento reativo envolve forçar o músculo na
extensão, que é o oposto de como os músculos são
forçados tipicamente. Esta é a maneira a mais eficaz
aumentar o recrutamento, mas é também extremamente
estressante, e conseqüentemente, muito passível de causar
lesões. Certifique-se que você pode suportar este tipo
de treino! Na verdade todo treinamento de campus envolve algum
componente reativo, mas você pode aumentar a intensidade ao
fazer campus descendo a placa. Isto é obviamente muito mais
difícil, mas os ganhos podem ser impressionantes. Se você
estiver apto a este tipo de treino, isto adicionará uma grande
variedade às suas sessões, indo para cima e para baixo
na placa. Esses dias eu fiz uma série onde eu fazia vários
duplos dinâmicos, primeiro da ripa 1 até a 5, daí
para baixo até a 3, então até 7, para baixo a 5,
até a 9. Legal!
Uma queixa comum entre
os fanáticos por campus é que seus cotovelos doem. Eu
não tenho nenhuma evidência científica pra dizer
isso, mas existe a conversa de que o treinamento com campus parece
causar epicondilite medial, ou “o cotovelo do escalador”.
Como minha fase de campus dura somente algumas semanas, consistindo
em geralmente seis ou menos treinos, consigo atravessá-la sem
maiores problemas. Se você já tiver o cotovelo do
escalador, será preferível iniciar seu treinamento de R
máximo com bouldering. Caso não queira seguir minhas
sugestões de periodização e quiser treinar em
campus toda hora, desde já sinto muitíssimo pelos seus
cotovelos.
RM
Como já
mencionei anteriormente, iniciei treinando resistência muscular
simplesmente malhando meus projetos, na academia ou na rocha. Desde
então mudei de opinião, e acho melhor treiná-la
de forma mais eficaz com outros meios. Há muitas maneiras
treinar para a resistência muscular, e você pode
encontrar uma técnica melhor do que a minha. Este é a
área que tenho menos conhecimento, e a menos confiável
de minhas técnicas do treinamento. O valor do treinamento do
RM varia muito, dependendo de que tipo de escalada você gosta
de fazer, de modo que é interessante examinar seus objetivos
ao planejar a fase de treinamento de RM.
O treinamento da
resistência muscular (power endurance em inglês) é
apenas parte do espectro do treinamento de resistência. Yaniro
identificou três níveis que chamou a “baixo nível,
intermediário e alto nível”, que definiu baseado
no número dos movimentos de cada exercício. Decida-se
para o que você quer treinar baseado em que tipo de escalada
pensa em fazer. Se seu pico de escolha for tipo Rifle, onde você
pode necessitar fazer 100 movimentos ou mais, sem muito descanso,
você precisará treinar com este objetivo. A escalada que
prefiro envolve uma seção bem definida de crux com
escalada relativamente fácil no restante da via, de forma que
normalmente eu treino algo entre 25 a 35 movimentos de intensidade
sustentada.
Eu faço
geralmente este treinamento com bouldering. Às vezes, crio uma
travessia na academia que possua o número especificado de
movimentos, e faço três vezes essa na travessia com 5 a
10 minutos de descanso entre elas. Ultimamente, tenho feito 4x4's,
que é parecido. Para o 4x4, selecione entre três e cinco
boulders que totalizem o número desejado de movimentos, e faça
então cada problema, consecutivamente, sem nenhum descanso
entre eles. Se possível, desescale para ir até o início
do problema seguinte. Você pode pedir para um parceiro
cronometrar sua primeira série, e então descansar um
período de tempo igual, geralmente de 2min30s a 3min30s.
Repita então os problemas de forma idêntica. Eu faço
geralmente quatro ou cinco séries, e fico moído no fim.
O segredo está em escolher direito os problemas de boulder de
forma que você mal consiga terminá-los.
Juntando tudo
Todos estes treinos
individuais são bem razoáveis, mas o potencial de um
programa de treinamento periodizado é o efeito sinérgico
que se consegue ao combiná-los corretamente. As fontes
originais que citei no começo (PRC e Fingers of Steel) foram
muito úteis em descrever os treinos a fazer, mas achei-os
falhos ao descrever os detalhes cotidianos de como unir todo um ciclo
de treinamento. Organizei meu plano geral baseado em meus
conhecimentos como corredor de longa distância, e após
anos de tentativa e erro.
Primeiramente, algumas
regras gerais. No geral, quanto mais intenso o treino, mais
descansado você deve estar. Em ordem da intensidade eis aqui os
treinos acima descritos (do mais duro ao mais leve): R Máximo,
HIP, RM, RAC. Conseqüentemente, se você estiver pensando
em combinar treinos em um mesmo dia escalando, ou em dias
consecutivos, você deve fazer primeiro os mais intensos. Por
exemplo, se estou indo a Hueco Tanks por dois dias, e gostaria fazer
vias e boulders enquanto estiver lá. Supondo que não
tenha nenhuma prioridade predeterminada sobre o que é mais
importante para mim, a partir de uma perspectiva de treinamento
gastaria o primeiro dia fazendo boulder (máximo R/HIP), e no
dia seguinte faria vias (RM). Como treinamento, especificamente, não
recomendo combinar máximo R, HIP ou PE de nenhuma forma.
Talvez acabe fazendo isso por necessidade quando estou escalando em
rocha, mas nunca de forma intencional. O único tipo de
treinamento que eu combino é RAC com qualquer outra coisa.
Além disso, se
por acaso aparecer uma grande vontade de fazer dois tipos de trabalho
no mesmo dia, a mesma regra se aplica. Se for fazer um treino no
hangboard, por exemplo, a seguir posso fazer uma série
completa de 30 minutos de RAC. Eu não tentei combinar o máximo
R, HIP, e/ou o RM… se você fizer isso me diga depois
como é que foi. Bem, vou me desdizer quanto a isso.
Recentemente ouvi falar sobre “o treinamento complexo”,
que é essencialmente uma combinação de HIP e de
máximo R. Eu fiz quatro treinos complexos destes em meu ciclo
este verão, e não tive resultados conclusivos em
comparação com o plano acima delineado. Certamente não
observei os ganhos extraordinários que algumas pessoas alegam
ter com este tipo de treinamento complexo de forma que, em minha
opinião ainda não há um veredicto claro sobre
esta técnica.
Eu poderia agora
descrever como monto meu ciclo do treinamento, mas prefiro mostrá-lo.
Uma imagem vale mil palavras. Tenha em mente, no entanto que a
intenção aqui não é dar-lhe uma
programação que você copie verbatim. A intenção
é fornecer um exemplo que lhe dê as dicas sobre a
estrutura do treinamento de modo que você possa construir uma
programação que funcione para você. Se você
está montando um programa de treinamento pela primeira vez, e
não tiver um parceiro para treinar, é altamente
recomendável colocá-lo por escrito, de forma detalhada
antes que você comece. Este programa servirá como um
parceiro imaginário, que poderá mantê-lo nos
trilhos naqueles de motivação baixa, quando você
preferiria estar “só escalando”. Conforme for
ficando mais experiente, poderá alterar sua agenda “on
the fly” como eu, mas nos primeiros anos, eu escrevi-o
adiantadamente. Além disso, arquive os registros de seus
treinos também. Pode parecer besteira no início, mas
após alguns anos, estes registros terão valor
inestimável.
Calendário de treinamento periodizado:
Notas sobre o
calendário do treinamento:
1. Eu apresentei um
calendário genérico, incluindo, no entanto exemplos de
como ajusto a programação para permitir escalada em
rocha nos fins de semana em vez de treinar no hangboard, ou qualquer
outra coisa semelhante. Eu faço essa troca toda hora durante
um ciclo de treinamento se o clima for favorável. Durante meu
ciclo de inverno, é mais provável que o programa de
treinamento seja seguido de forma mais estrita e faça treinos
em plástico, mas se o tempo estiver bom para escalada ou se
estiver treinando para escalada tradicional (que eu acredito ter a
parte técnica como mais importante), treinarei ao ar livre em
rocha sempre que possível.
2. Eu não incluí
uma fase dedicada a RAC. Eu tinha uma fase dessas nos primeiros cinco
anos que treinei, mas depois decidi não incluí-la em
todos os ciclos. Entretanto, faço uma fase RAC uma vez por
ano. Para adicionar uma fase RAC é só fazer de 4 a 6
semanas de treino similar à primeira semana desta programação.
Isto aumentará o ciclo para quatro meses.
3. Onde eu indiquei
vias ao ar livre no lugar de outro treino, tente escalar vias que
simulam esse treino. Por exemplo, no lugar de um dia de hangboard, vá
fazer boulder ou vias curtas e explosivas, ou mesmo malhar em top
rope ou hangdog o crux de seu projeto da estação. Pode
ser observado que na fase de “HIP”, eu alternei entre
“fins de semana ao ar livre” e “fins de semana
indoor”, mas isso depende do que eu estiver a fim de fazer. Se
for um treino de RAC que você estiver substituindo, pense nele
como um dia para escalar muito, de forma que você não
deve escalar vias que te deixem bombado, nada onde haja
possibilidade de queda. Aproveite esses dias como sendo uma grande
oportunidade de treinar técnica e movimentos de escalada.
Também gosto destes dias para fazer vias tradicionais de
várias enfiadas.
4. Geralmente tento
descansar 72 horas entre treinos duros (hangboard, campus ou treinos
de RM). Quer dizer, se treinar campus na segunda, só volto ao
campus treinar na quarta. O treino de RAC no dia seguinte é
uma maneira adicionar trabalho aeróbico no programa, e também
ajuda por estimular a limpar seus músculos pelo aumento da
circulação sanguínea. Deve ser de intensidade
tão baixa que ainda conte como um dia de pseudodescanso e
tenho observado que ele me ajuda ter uma recuperação
mais rapida. Às vezes chego a descansar até 96 horas
entre treinos, geralmente quando quero me preparar para escalar vias
ao ar livre no fim de semana ou quando senti que não me
recuperei inteiramente do treino precedente.
5. Os dias de exercício
aeróbico são seus dias de descanso. Você não
deve fazer nada remotamente semelhante à escalada. Se estiver
treinando direito seus dias “duros” serão tão
intensos que você não terá ganho algum escalando
em seus dias de descanso. Talvez você tenha a sensação
de que não está escalando o suficiente. Mesmo assim,
sem problema, o importante é evitar lesões. Também
não pense que você só pode treinar sua corrida ou
bike nos dias especificados como sendo de treinamento aeróbico.
Freqüentemente eu faço um exercício aeróbico
após meu treino de escalada. Certas semanas eu chego a fazer
exercícios aeróbicos diariamente, independente dos meus
treinos de escalada. Quanto a qual exercício fazer,
provavelmente a melhor escolha é a natação.
Entretanto se você é um escalador, deve preferir fazer
exercícios ao ar livre, e infelizmente nadar é
geralmente indoor, e conseqüentemente muito chato. Se isso não
lhe incomoda, ótimo. Corrida é um treino excelente e
pode trazer ganhos rapidamente. Entretanto, há o boato de que
a corrida contribui para criar o que os escaladores chamam “Elvis
leg” por aumentar a tensão dos músculos das
pernas, de forma que se isso ocorre com você, fique atento.
Faça apenas algo que você gosta. O que me atrai nestes
dias é que permitem ficar longe da estressante monotonia do
treinamento. Eu às vezes jogo Ultimate Frisbee, rúgbi,
futebol ou basquete… só não se lesione!
6. Transições:
Observar a transição entre as fases. Eu geralmente vou
sobrepor alguns treinos, isto é, farei meu primeiro treino de
campus antes de meu último treino de hangboard. Trouxe esta
prática de meus dias de fundista, quando sempre fazíamos
assim. Em teoria isto dá a seu corpo um aviso antes de entrar
de cabeça nesta fase. Meu irmão acha isso um
desperdício de tempo, e nunca faz essa sobreposição.
Já tentei das duas formas e posso dizer que não há
grande diferença, mas ajuda psicologicamente ao preparar sua
mente para a mudança.
7. Tamanho da fase: Não
trate o tamanho de cada uma das fases como sendo uma verdade sagrada.
Em meu planejamento, o comprimento de cada fase muda da estação
para estação… tanto que minha fase do hangboard
nunca tem a mesma duração! Lembre que a razão
pela qual o treinamento é periodizado é para que nós
nos aproveitemos da habilidade do nosso corpo de se adaptar. Se você
só ficar pendurado no hangboard o tempo inteiro, seu corpo
iria se adaptar por algum tempo, talvez seis semanas ou assim, então
chegará a um platô porque o estímulo já
não é novo. O truque é trocar de exercícios
no momento certo para otimizar seu nível de desempenho total.
Desta forma é necessário que você monitore
cuidadosamente seu progresso para trocar de fases no momento certo.
Por exemplo, se você fizer hangboard por quatro semanas, e você
tiver dois treinos nos quais não puder aumentar a carga, é
hora de ir para a fase seguinte. Naturalmente, isto requer
experiência, além de alguma tentativa e erro.
8. A fase da
resistência muscular (RM) entremeia-se um pouco com a fase
pico. Isso porque o processo de encadenar vias que deve ser o que
você fará na fase pico é semelhante em termos
físicos aos treinos de RM desta fase. Assim penso neles como
sendo mais ou menos a mesma coisa. Note, porém que dei mais
ênfase aos treinos indoor (4 x 4) no início desta fase,
mudando para vias ao ar livre mais tarde. Nos treinos ao ar livre
sugeridos é onde estou tentando encadenar vias, sejam duras
vias à vista, ou o redpoint trabalhando de projetos. O
comprimento desta fase varia sempre. Normalmente tenho tido quatro
semanas de pico de desempenho, mas é muito tentador esticar
este período, especialmente se o projeto não estiver
saindo. Se fizer isto, tenha cuidado com o aumento do risco de lesão.
Acredito também que seu corpo atravessará tipos
diferentes de picos, de forma que se você for esperto poderá
tirar vantagem disso. Por exemplo, cedo em sua fase de desempenho
máximo, você terá muita potência, mas ainda
não terá muita resistência. Conseqüentemente,
é melhor tentar as vias mais curtas e explosivas ou os
boulders logo no início. Mais tarde em sua fase pico, sua
potência diminuirá enquanto aumenta sua resistência,
de forma que é mais interessante passar a tentar vias mais
longas. Isto também reduzirá a possibilidade de lesões.
Você definitivamente não vai querer fazer vias lesivas
quatro semanas seguidas em sua fase de RM.
9. Você observará
que perto do fim da fase de pico, eu recomendo escalar na rocha o
tempo todo. É para isso que você trabalhou neste ciclo,
então vá lá pra pedra aproveitar essa força
recém adquirida. Se possível, encare uma viagem de
escalada ou tire alguns dias de folga no serviço para
desperdiçar o mínimo dos dias de pico.
Traduzido em
03/10/2007 por Marco Antônio Valim www.novidadesdapedra.org